Competitividade e Tecnologias Limpas
Em setores onde a disparidade tecnológica entre as firmas componentes é muito grande, existe um grande espaço de avanço simplesmente através da melhoria nas formas de p
A grande vantagem das tecnologias
“limpas” está na possibilidade de reverter um custo em benefício. Ou
seja, o que seria antes tratado como um problema (gastos adicionais para
evitar emissões ou para pagar compensações, caso a redução de emissões
não seja técnica ou economicamente viável) passa a ser uma vantagem
(ganhos de rendimento ou produtividade). Trata-se, portanto, de uma das
tais situações win-win que entraram no nosso vocabulário recentemente,
onde o ganho de competitividade ocorre concomitantemente ao ganho
social.
Mas uma pergunta acaba sempre
incomodando: se a tecnologia limpa é a mais desejável tanto para a
empresa quanto para a comunidade, por que ela não é adotada em larga
escala? Por que a necessidade de programas específicos para sua difusão?
Existem várias respostas diferentes
para essa pergunta. Antes de mais nada, é fundamental lembrar que as
estruturas produtivas são bastante heterogêneas, ainda mais no caso de
países de industrialização periférica ou tardia (como o Brasil). Essa
heterogeneidade estrutural é o resultado de desigualdades e
desequilíbrios entre os vários setores, que acentuam diferentes padrões
tecnólogicos. Exemplo claro disso está na gritante diferença entre
algumas atividades do setor manufatureiro que exigem elevada
incorporação de tecnologia (a maioria dos bens de consumo duráveis que
incorporam inovações microeletrônicas, por exemplo), com outras onde o
dinamismo na incorporação de tecnologia é menos presente (como em várias
áreas tradicionais do setor de bens de consumo de não-duráveis). Além
disso, percebe-se a coexistência, no mesmo setor, de firmas bastante
avançadas tecnologicamente (como algumas empresas voltadas para a
exportação, ou filiais de transnacionais), que tentam acompanhar - ainda
que defasadamente - o progresso técnico gerado nos países centrais, com
empresas bastante atrasadas tecnologicamente, geralmente voltadas para
atender o mercado interno (em particular, em áreas onde a qualidade do
produto ainda não é tão importante para a concorrência).
As oportunidades para a difusão de
tecnologias limpas variam, portanto, enormemente. Em setores onde a
disparidade tecnológica entre as firmas componentes é muito grande,
existe um grande espaço de avanço simplesmente através da melhoria nas
formas de produção das empresas mais defasadas. Nesse caso, o papel da
política pública é facilitar a transferência dessas tecnologias, tanto
através de difusão (muitas vezes o problema está no desconhecimento de
novas técnicas) como criando mecanismos de financiamento e outros
incentivos ao aperfeiçoamento tecnológico. Um exemplo ainda pouco
explorado no Brasil refere-se ao uso de políticas de compras do governo;
nesse caso, pode-se estipular critérios mínimos de controle de produção
para que a empresa seja habilitada a participar de licitações públicas,
obtenção de concessões, etc.
Uma situação mais complicada refere-se
aos setores onde as possibilidade de “ganho-ganho” são muito reduzidas.
Ou então, em setores onde o capital instalado é relativamente recente, e
a adoção de tecnologias “redutoras de custos” exigiria investimentos
pesados sobre um parque instalado que ainda não foi financeiramente
depreciado. A situação agrava-se quando a capacidade de financiamento da
empresa é menor, situação típica de pequenas e médias empresas: ainda
que haja conhecimento de formas mais eficientes de produção, as
restrições de capital ou escala impedem a sua adoção, e o máximo que se
consegue em termos de gestão ambiental é a adoção de controles de “fim
de tubo” que só representam aumento nos custos de produção (logo, menor
competitividade).
Deve-se ter claro essa limitação: nem
sempre a melhoria da qualidade ambiental poderá ser redutora de custos. O
papel do formulador de política (tanto do governo quanto das
associações industriais) será exatamente identificar tais situações onde
a perda de competitividade é potencial, a fim de apresentar medidas
compensatórias.
Aproveito aqui para reproduzir um
esquema elaborado por Chudnovsky et al. (1997) em um estudo sobre a
indústria argentina, onde as ações de gestão ambiental a nível
empresarial são classificadas esquematicamente em três grupos:
Uso de tecnologias "limpas" | Otimização de processos | Tratamento "fim de tubo" |
|
|
|
Tratamento eficaz de efluentes líquidos, emissões atmosféricas e resíduos sólidos e semi-sólidos.
As circunstâncias que levam à adoção
das tecnologias limpas e otimização de processos estão normalmente
associadas a indústrias de processo contínuo, onde a redução de
efluentes pode representar uma economia considerável de custos (menor
desperdício = maior lucro). Acho que o exemplo mais óbvio está no
complexo sucroalcooleiro: o reaproveitamento da vinhaça transformou um
enorme problema em uma solução. Ainda no mesmo setor, a utilização do
bagaço da cana como fonte de energia reduz o problema de resíduos
sólidos (embora as formas convencionais de queima da biomassa possam
gerar outros problemas, relacionados à poluição atmosférica - uma área
que tem merecido esforço de pesquisa é exatamente a melhoria na
eficiência energética e redução de emissões na queima de biomassa).
Outros exemplos estão no complexo papel e celulose, química, metalurgia,
etc.
Essas indústrias já estão acostumadas a
enfatizar o componente tecnológico como elemento de competição, havendo
um círculo “virtuoso” entre eficiência produtiva, capacidade inovativa e
controle da contaminação (Chudnovsky et al., 1997). Por outro lado,
onde a capacidade inovativa foi pouco desenvolvida ou a possibilidade de
reutilização do resíduo é pouco atrativa, o avanço do controle
ambiental tende a ser mais concentrado no “fim de tubo”. Pequenas e
médias empresas podem levar desvantagens neste ponto, mas cabe ressaltar
que não se trata apenas de um problema de tamanho da firma: uma
estrutura organizacional pouco estimuladora de inovações induz a
alterações apenas marginais (favorecendo estratégias de “fim de tubo”,
que pouco alteram o perfil da produção). Ou seja, a pré-existência de um
sistema de adoção de inovações (por motivos não-ambientais) certamente
favorecerá a difusão de tecnologias limpas.
Muitas dessas transformações estão
também associadas a pressões de demanda em alguns (mas longe de ser
todos) mercados de exportação e pressões governamentais. O
fortalecimento das agências de controle ambiental é crucial, em especial
considerando a atual tendência de adoção de instrumentos econômicos na
gestão ambiental pública. A adoção do princípio do
usuário/poluidor-pagador atua nesse sentido: a maior competitividade
passa a ser do mais “limpo” ou “poupador”. Por outro lado, a existência
de mecanismos de difusão de tecnologia (e, é claro, de financiamento
para a efetiva implementação dessas tecnologias) são de mesma
importância: não basta penalizar os que atuam de forma inadequada; é
também preciso criar os instrumentos para que o empresário corrija a sua
ação.
Por fim, um aspecto ainda pouco
ressaltado mas que tende a crescer de importância no futuro, é a
harmonização de normas ambientais nos processos de integração econômica.
Nossos parceiros de Mercosul também devem compartilhar os esforços de
melhoria da gestão ambiental, sob o risco de criarmos “santuários” de
poluição nas regiões onde o controle é menos rigoroso, gerando um
diferencial de competitividade “espúrio” (beneficiando os produtores que
menos investirem em controle de poluição nas situações onde o
ganho-ganho não é possível).
Por isso, devemos evitar o falso dogma
de que maior participação empresarial na gestão ambiental significa
menor necessidade de ação pública nessa área. Um mito frequentemente
repetido, em especial dentro do credo liberal ortodoxo, é o da “limpeza”
que a liberalização de importações eventualmente traria para os
produtores ineficientes, normalmente identificados como os mais
poluidores. Segundo essa visão, não seria preciso nenhuma intervenção de
política pública: na medida em que a concorrência internacional
“naturalmente” eliminasse os menos competitivos, o mercado estaria
automaticamente reduzindo a poluição. Esse raciocínio, embora bastante
difundido, é falacioso: nada garante que o mercado, por si só, irá
eleger os mais eficientes do ponto de vista ambiental. Por trás dessa
idéia, retoma-se o princípio de voltarmos a ser um país exportador de
mercadorias intensivas em recursos naturais simplesmente porque hoje
apresentamos maiores vantagens comparativas (estáticas) nessas
atividades. Desenvolvimento sustentável é incompatível com dependência
em recursos naturais, seja ela sob forma de exaustão de recursos
não-renováveis ou de degradação de recursos renováveis.
Esse lembrete serve para alertar que,
apesar dos avanços em algumas atividades voltadas para mercados externos
onde os consumidores são ambientalmente exigentes, nem toda exportação é
gerada de maneira ambientalmente desejável. Mais: resultados empíricos
das pesquisas que venho coordenando no Grupo de Economia do Meio
Ambiente do Instituto de Economia mostram que, ao menos desde a década
de oitenta, a economia brasileira vem apresentando uma perigosa
tendência de especialização na exportação de produtos potencialmente
poluidores (Young, 1998). Analisado sob uma perspectiva de ciclo de vida
(através de técnicas de insumo-produto), o complexo exportador
brasileiro apresentou consistentemente intensidades de emissão (i.e.,
emissão gerada por unidade de valor da produção) maiores que a da média
da economia para uma série de parâmetros associados à poluição do ar e
da água. Isso indica que o Brasil inseriu-se na divisão internacional do
trabalho como especializado em atividades “sujas”, ratificando o
famigerado lema do “venham nos poluir”.
(Esse e outros assunto correlatos serão
abordados no Curso de Economia Ambiental oferecido pelo Núcleo
Interdisciplinar de Estudos Ambientais e Desenvolvimento (NIEAD) do CCMN
da UFRJ (www.niead.ufrj.br).
Nenhum comentário:
Postar um comentário